Marco regulatório dos criptoativos: o início para prevenção da criminalidade

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Tempos difíceis

Com a aprovação da Lei n.º 14.478/2022 no final de dezembro de 2022, cuja vigência se iniciará a partir de junho deste ano, lembrei do meu primeiro caso envolvendo fraude de investimento em criptomoedas. O ano era 2018, pouco se falava sobre bitcoin, blockchain, carteira virtual, mineração, tudo era novidade principalmente porque não havia regulamentação, ou seja, o cenário ideal para formação de novas pirâmides financeiras e fraudes milionárias.

O cliente, empresário engajado com novas tecnologias, havia investido mais de três milhões nas supostas compras e vendas de criptomoedas. No entanto, ao tentar levantar o valor investido, assim como muitas outras vítimas, foi impedido de sacar o dinheiro da suposta corretora. Inicialmente, a empresa alegava haver sofrido uma invasão hacker em seu sistema, situação que estaria dificultando o pagamento dos investidores, até que a falta de transparência para com os consumidores ficou insustentável e a verdade foi revelada com o sumiço de milhões de reais.

No caso acima, fiz diversas diligências em órgãos públicos, conversei com agentes de investigação, membros do Ministério Público e recordo perfeitamente de como era difícil a comunicação com essas autoridades. A falta de informação sobre o assunto era total e tenho certeza que essa ausência de conhecimento sobre o tema naquele momento apenas favoreceu os autores da trama criminosa, que mesmos condenados posteriormente pela prática delituosa, ainda conseguiram ganhar muito tempo com pedido de recuperação judicial e o relato da suposta fraude sofrida, dificultando toda investigação criminal e o rastreamento do dinheiro das vítimas.

Com o passar do tempo, novos casos de fraude em investimentos de criptomoedas foram surgindo, sempre com o mesmo modelo de operação: (a) promessas de ganhos irreais; (b) pagamentos iniciais dos falsos rendimentos; (c) consultores supostamente bem-sucedidos; (d) eventos luxuosos, tudo esquematizado para buscar o maior número de pessoas. Segundo noticiado pelo site InfoMoney, existe uma estimativa no valor de R$ 40 bilhões em prejuízo causados nos últimos cinco anos por empresas acusadas de serem pirâmides financeiras no mercado de criptomoedas no Brasil, com quatro milhões de vítimas, que dificilmente serão restituídas com a devolução das quantias aplicadas.

Todas essas reiteradas notícias de fraude e os altos valores envolvidos nos casos, deixaram de ser novidade e começaram a ser tratadas com maior rigor pelas autoridades públicas, que atualmente se valem da especialização de empresa do setor privado para rastrear critptomoedas desviadas de forma fraudulenta, como da Chainalysis, que está em mais de setenta (70) países fornecendo software de investigação, principalmente para agentes governamentais.

Agora, com a vigência da Lei n.º 14.478/2022 a partir de junho deste ano, que cria dispositivos na área criminal, aliado ao fato de que existem novas ferramentas disponíveis para os órgãos de investigação rastrear os vestígios deixados pelos criminosos no percurso do crime, o mercado das criptomoedas poderá ser um ambiente mais seguro e transparente em suas operações, afastando-se cada vez mais estelionatários desta nova tecnologia.

 

Combate à criminalidade

A Lei n.º 14.478/2022 criou uma tipificação específica para os casos de fraude com a utilização de ativos virtuais, com a previsão da sanção criminal em até oito 8 (oito) anos, ao contrário do simples enquadramento no crime de estelionato, cuja pena máxima não ultrapassa cinco anos. Note-se:

 

“Art. 171-A. Organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações que envolvam ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento. Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.”

 

E mais, o marco regulatório dos criptoativos também determina que as prestadoras de serviços de ativos virtuais cumpram com as boas práticas de governança e as normas de prevenção à lavagem de dinheiro, incluindo as corretoras no rol das empresas obrigadas aos mecanismos de controle de informações ao COAF (Conselho de Operações Financeiras).

O novo marco legal delega ao Poder Executivo a designação do órgão regulador e fiscalizador do setor, que possivelmente será o Banco Central, com todo conhecimento técnico do mercado financeiro poderá diminuir os números de fraudes e deixar apenas as boas empresas no mercado.

Um tema importante que estava previsto no projeto de lei do marco regulatório, mas que depois foi excluído no Senado Federal, foi a segregação patrimonial, que proíbe a corretora de misturar o patrimônio dos clientes ao seu balanço, mantendo-se cada conta separada, ou seja, não podendo a corretora atuar como uma espécie de banco e emprestar o que o cliente depositou em criptomoedas, como aconteceu no caso da FTX, uma das maiores corretoras de criptomoedas dos Estados Unidos, que pediu falência no final de 2022.

O marco regulatório de criptoativos poderia ter surgido muito antes das diversas fraudes praticadas no mercado, mas é um avanço para o país, principalmente porque reconhece essa nova tecnologia e traz novas diretrizes ao segmento de criptomoedas, podendo evoluir com a atuação do Banco Central e no combate aos estelionatários, que tanto se aproveitaram da falta de conhecimento das pessoas e da falta de regulamentação para angariarem milhões de reais.

 

Documentário

Caro leitor, caso você tenha se interessado sobre o tema objeto deste artigo, recomendamos o documentário: Não Confie em Ninguém: A Caça ao Rei da Criptomoeda, disponível na Netflix, que trata da morte repentina do jovem fundador de uma plataforma de criptomoedas, com suspeitas de fraudes, prejuízo milionário, teorias da conspiração, uma boa demonstração sobre o início desse mundo da criptoeconomia.

 

Equipe AFA

Ficou com alguma dúvida sobre o marco regulatório dos criptoativos? O escritório AFA Advogados possui uma equipe especializada em Direito Criminal Empresarial que se encontra à inteira disposição para esclarecer eventuais dúvidas a respeito de casos como este e demandas conexas. Conte conosco!

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