A Corte Especial do STJ (Superior Tribunal de Justiça), em recente julgamento de embargos de divergência entendeu que, excepcionalmente, é possível relativizar a regra geral da impenhorabilidade do salário para pagamento de dívida não alimentar, independentemente da monta recebida mensalmente a essa rubrica pelo devedor, desde que seja preservado valor suficiente que assegure subsistência digna para ele e sua família.
Contudo, segundo o entendimento do colegiado, essa relativização somente deve ser aplicada “quando restarem inviabilizados outros meios executórios que garantam a efetividade da execução”, e desde que “avaliado concretamente o impacto da constrição sobre os rendimentos do executado”.
Ou seja, apesar de ser uma boa notícia àqueles que há bastante tempo buscam judicialmente a satisfação de seu crédito, a aplicação dessa relativização deve ser realizada com cautela pelo Judiciário e de acordo com as especificidades do caso concreto.
Sobre a impenhorabilidade salarial
A impenhorabilidade da verba salarial está prevista no inciso IV do artigo 833 do CPC, de modo que tal dispositivo sempre serviu como “conforto” e “escudo” aos devedores contumazes. A exceção a tal regra, por sua vez, esculpida no parágrafo segundo do mesmo artigo, o qual prescreve, dentre outros termos, que a impenhorabilidade salarial não se aplicaria à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, também não socorria devidamente aos interesses do credor, principalmente porque o recebimento de salário acima dessa monta não é factível com a realidade do homem médio brasileiro.
Desse modo, a relativização da regra em comento é um passo importante em benefício do credor, e principalmente representa uma evolução do princípio da efetividade da execução.
Em quais condições se aplicaria a relativização da regra de impenhorabilidade salarial?
O Relator Ministro João Otávio de Noronha, acompanhado do colegiado da Quarta Turma do STJ, compreendeu que a regra de impenhorabilidade salarial pode ser relativizada desde que observadas as condições de preservação de percentual capaz de assegurar a dignidade do devedor e de sua família, independentemente da natureza da dívida ou dos rendimentos do executado. Além disso, como dito anteriormente, a relativização à regra em comento deve ser aplicada quando restarem inviabilizados outros meios executórios que garantam a efetividade da execução.
Quais são os impactos?
O Ministro ilustra que essa relativização deverá ser aplicada com observância aos padrões de racionalidade e proporcionalidade, à luz da dignidade da pessoa humana, que protege tanto os devedores quanto os credores. O ministro asseverou, ainda, que “A fixação desse limite de 50 salários mínimos merece críticas, na medida em que se mostra muito destoante da realidade brasileira, tornando o dispositivo praticamente inócuo, além de não traduzir o verdadeiro escopo da impenhorabilidade, que é a manutenção de uma reserva digna para o sustento do devedor e de sua família“.
Assim, o relator entendeu pela possibilidade de relativização do parágrafo 2º do artigo 833 do CPC, cabendo a penhora de verba salarial inferior a 50 salários mínimos, em percentual condizente com a realidade de cada caso concreto, desde que observadas as condições de se assegurar valores suficientes à garantia da dignidade do devedor e de sua família. Ou seja, deverá ser minuciosamente analisado se o percentual do salário penhorado não compromete o sustento do executado e seus dependentes.
Na prática, isso significa dizer que há dois expressivos impactos, sendo:
- Positivo: Abre-se mais uma excelente possibilidade de o credor ter seu crédito satisfeito, privilegiando-se o resultado útil do processo e coibindo os devedores contumazes de se abrigarem na regra geral da impenhorabilidade salarial para tentarem frustrar as execuções.
- Negativa: A falta de critérios totalmente objetivos para se relativizar a regra geral da impenhorabilidade salarial gera certa insegurança tanto ao credor como ao devedor, que ficam totalmente à mercê das análises subjetivas do magistrado para aplicação da relativização da impenhorabilidade salarial. A possibilidade de haver decisões judiciais conflitantes sobre casos semelhantes é expressiva, na medida em que os critérios de relativização da regra de impenhorabilidade salarial restaram totalmente subjetivos.
Dessa forma, o entendimento deverá ser considerado por outros magistrados e, ainda, caberá recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF).
De todo modo, deverá se observar, a partir de agora, de que maneira os Juízos e Tribunais aplicarão tal entendimento e se, oportunamente, será necessário estabelecer critérios objetivos à relativização da regra geral em comento.
A equipe Cível Empresarial do AFA Advogados se coloca à disposição para esclarecer eventuais dúvidas e assessorar sua empresa no que for necessário, por meio das condições de flexibilização da impenhorabilidade mencionada.